Depois de muito tempo ou Sobre a felicidade, o relógio e os lamentos

Vou retomar alguns pontos que eu perdi ao deixar de responder teus dois últimos contatos.

Você disse que também acha mais fácil ser feliz para os outros do que para si mesmo.
Quando eu originalmente escrevi isso, estava pensando de outra maneira. Não sei de que maneira você entendeu ou se eu fui claro. Na época o que eu quis dizer era que é mais fácil parecer feliz, tentar ser feliz para os outros. Ou seja, resumindo, é mais difícil admitir para si mesmo que você está feliz, entende? Mais difícil de se enganar e procurar algum outro caminho que o faça feliz de verdade. Hoje em dia, vejo essa afirmação com outros olhos. Veja se consegue me acompanhar: é mais "fácil ser feliz para os outros". Isso quer dizer que é mais fácil atingir a felicidade por meio de coisas que vêm dos outros, que partem dos outros. Não concorda? Assim como é mais fácil ficarmos tristes com estas mesmas coisas. Podem ser coisas simples. Hoje teve uma garota que ao passar por mim, mesmo que tão rapidamente, olhou nos meus olhos e sorriu, como se me cumprimentasse. Eu só falei com ela uma vez, há uns dois ou três meses atrás. Não sei se ela ainda se lembra disso, mas mesmo assim ela sorriu. Eu simpatizei com essa pessoa ao primeiro olhar, mesmo sem a conhecer. E isso é uma coisa pequena, pode-se chamar até de fútil se quiser, mas que traz felicidade. Só que quando olhamos para nós mesmos, sempre é mais difícil entender o que nos faz feliz ou nos faz triste. É sempre mais profundo, mais complexo. E quanto mais simples a felicidade for, mais fácil é de se conseguir. O que você acha disso?

Quanto ao fato de lutar pela felicidade, vou confessar: às vezes cansa.
Mas mesmo assim, se retomar a ideia anterior, é mais fácil lutar pela felicidade do outro. Eu acho, ao menos. Quando projetamos nossas ações, nossas tentativas de fazer sorrir, de fazer entender o que faz bem para todos, tentamos de certa forma, nos tornar melhores. Tentamos transformar alguma coisa. Mudar alguma coisa. E dessa forma, tentamos nos fazer felizes ao mesmo tempo. Talvez seja por isso que eu ligo a felicidade dos outros às nossas. É mais eficiente por que não vai ser qualquer coisa que vai nos abalar. Conseguimos transformar a felicidade de alguns tantos em uma só, uma massa homogênea e interligada. Talvez seja isso que o final do Into the Wild queria nos ensinar, não é? Hapiness' only real when shared. Agora vejo isso muito mais claramente que há alguns meses atrás.

Sobre a pressa e o relógio.
Isso tudo vem, como aprendemos desde pequenos na escola, da Revolução Industrial, não é? Mas para essa tal de Revolução acontecer, o que aconteceu antes? Uma outra revolução dentro de nós mesmos. Pode ser que, naquele ponto, jamais imaginaríamos como as coisas estariam hoje em dia. E mesmo que soubéssemos, não mudaríamos de opinião e continuaríamos em frente, não acha? Essa competição toda parece que vem da falta de tempo. E a falta de tempo foi criada por nós. Como você disse: é tudo ilusório. Não adianta tomar uma posição, competir por algo que não é real. E a maioria luta por coisas que não são reais, nisso tenho certeza que você concorda comigo. Isso é muito cliché, todo mundo reclama e como você também já disse, estão todos conformados. Ou a palavra seria acomodados? Não importa, se mesmo nós que nos incomodamos com isso não sabemos como protestar... Como protestar contra nós mesmos e o que nós somos. A hipocrisia reina e o resto apodrece.

Os lamentos nunca deixam de ter fundamentos.
Tudo o que tentamos externalizar passa a ser algo pertinente. Até as coisas que não conseguimos, que não percebemos, mas que estão ali, presentes na intrínseca realidade do nosso ser existem e lutam pra aparecer. Pra emergir desse rio de merda que as coisas estão hoje em dia. Quantas vezes a gente olha pro lado e pensa: essa pessoa está bem? E conclui que não. Olha pro outro e é a mesma coisa. Atrás, na frente, em todo lugar. Tudo está fora do lugar, não parece? Ou será que somos nós, que estamos deslocados no tempo e espaço? Tuas palavras são dramáticas por que a atmosfera que te cerca também é. Sua percepção é a sua realidade. E se tem alguém que eu posso dizer que pensa em muitas da mesma forma que eu é você. Assim como a metáfora que você criou outro dia para tentar me explicar sua sensação: a de um peixe que tenta aprender a andar de bicicleta.

Aonde está o problema? No peixe que não tem pernas para pedalar e entender a felicidade que ela pode trazer? Ou na bicicleta que não é adaptada ao peixe, não tem tecnologia suficiente?

Nenhum comentário:

Postar um comentário